Revista ESPM - set-out - MARKETING DE SERVIÇOS - “Decifra-me ou te devoro” - page 59

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setembro/outubrode2013|
RevistadaESPM
públicanomomentoemqueeleéexposto, comotambémà
perdadeacessoaosbensnomercado, pormeiodocrédito.
Vendaaprazo, fiado, cadernetascomnomedospagado-
res futuros são práticas comerciais típicas do nosso país,
mas que, emnenhummomento, representavamuma ini-
ciativadovarejoemtentar atender àsnecessidadesdecré-
dito da população de forma igualitária, contratual e justa.
Naverdade,essastécnicasdevendastornavamocomércio
possível numa terradepobressemacessonemmesmoaos
itensmais básicos. Essas formas de pagamento só conse-
guemseperpetuarnumasociedadecaracterizadapeladesi-
gualdade, naqual apessoalidadeguiaeorientaas relações.
A emergência de uma relação de igualdade
É curioso e revelador observar o comportamento e as ati-
tudes dos consumidores e dos comerciantes brasileiros
quandooestabelecimentonãotemtrocoparaopagamento.
Oclienteconsomeesomentenoatodepagar éavisadoque
alojanãotem“trocado”.Oatendenteagedeixandoclaroque
cabe ao consumidor providenciar o pagamento de forma
quenãoprecise receber troco. Gerenciar opagamento, no
caso, passa a ser uma responsabilidade do cliente. Nessa
situação, algunssãocordiaiseoptampor alguma formade
pagamentoqueeviteo troco.Outrosse irritam, reclamam,
masacatamouentãodesprezamotroco.Aindaécomumo
varejoresolveroimpasse,dandootrocoembalasougomas
demascar. Seoclientenãoaceita, é vistocomoantipático
ouincompreensivo.HáatéumapropagandadocartãoVisa,
ainda em veiculação, cujo jingle resume bem a situação:
“Baladetroco,quecoisatriste”.Paraacompanharamúsica,
aexpressão facial dedescontentamentoeapatiadoconsu-
midor “vítima”da faltade troco. Emumadasversões, além
debalas, sãodespejadasmoedasemfrenteaoconsumidor,
desconsolado.Parafecharocomercial,umconselhoédado
para evitar a cena: “Dinheiro já era, vai deVisa”.
Essetipodeatitudecorriqueiramostraquecadaumtemo
seulugarnasrelaçõescomerciaisdovarejonacional.Ovare-
jistaestánumpatamarsuperior,eoconsumidor,nolugarde
submissão. Ocomerciante se sente à vontadepara transfe-
rir ao cliente a incumbência de providenciar o pagamento
de uma forma que não exija do estabelecimento devolver
valoresparaoconsumidor.Quemnão temhistóriasde irri-
tação porque teve demudar a forma de pagamento, conse-
guirdinheirotrocadoouatémesmoignoraroseutroco,por-
queoatendentedocaixadissequenãopodia fazer nada?É
quandoovarejodizsecamente:“Issoéoquetemosparahoje”.
Numa era de transparência, na qual o consumidor é
autor e tomaas rédeasdosprincipaismovimentosdemer-
cado, vale resgatar o alerta de PhilipKotler: “As empresas
precisam não somente satisfazer os desejos dos consu-
midores, mas também considerar seus interesses como
cidadãos”. Se queremos umpaís justo e igualitário, pode-
mos começar por uma relação de cordialidade entre con-
sumidores e empresas. Omarketing agradece e o consu-
midor, mais ainda!
Fábio Mariano Borges
Especialista em pesquisa e comportamento do consumidor, professor na
ESPM, FGV, FIA/USP e Faap, diretor da inSearch Tendências e Estudos
de Mercado. Doutorando em sociologia do consumo na PUC/SP, mestre
em ciências sociais (PUC/SP) e publicitário, pós-graduado em marketing
Ao brincar coma falta de troco, o comercial daVisa acaba
retratando a forma de relação comercial existente noBrasil
desde o período colonial, no qual o comerciante decidia para
quem, por quanto e de que forma iria vender suamercadoria
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