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setembro/outubrode2013|
RevistadaESPM
O problema não está na lei, e sim na hierarquia exis-
tenteentreoconsumidoreovarejo.
Empresas e clientes. Um
ensaio sobre os valores e relacionamentos no Brasil
, escrito
por Angela da Rocha (Editora Atlas, 2000),
Consumidores
insatisfeitos: uma oportunidade para as empresas
, deMarie
Agnes Chauvel (EditoraMauad, 2000), e
A história do con-
sumonoBrasil: domercantilismo à erado focono cliente
, con-
tada por Alexandre Volpi (Editora Elsevier, 2007), são três
livrosquedetalhamessas relações entreclientes eempre-
sas.Neles, osautorescomentamque, noBrasil, oconsumi-
dor parece estar sempre emumpatamar abaixo ao posto
ocupadopelas empresas. Quando se trata de umpequeno
comerciante, há uma relação estreita emarcada pela pes-
soalidade entre o cliente e o lojista, sendoque não é raro o
freguês dever favores. Quando a relação envolve grandes
empresas, essas são vistas como gigantes com poderes
desmedidos que submeteme subjugamos consumidores.
Nãoexisteentreoconsumidoreaindústriaumarelaçãode
igualdade. Nesse aspecto, não existe o cidadão, só o com-
pradorquedevesecontentarcomoquelheéoferecidopelo
mercadoesaber escolher asmelhoresopçõesdisponíveis.
Areclamaçãonas relaçõesdeconsumoévistacomoum
pedidoquemuitas vezes dependedopoder econômicodo
reclamante, da sua habilidade de persuasão e da ameaça
contraaempresaouatémesmodasorte. Vencequemtiver
mais habilidade em provar que está certo, e essa habili-
dade muitas vezes flerta com o “jeitinho brasileiro”. É a
lógicadaespertezaemconflitocomasregrasdacidadania.
Ahierarquia entre o consumidor e as empresas ilustra
bemarelaçãoquesedáentreelesnosdiferentesmercados.
NaEuropa, empaíses comoAlemanha, França, Inglaterra
e os nórdicos, consumidores e empresas não configuram
uma hierarquia, pois o mercado busca estabelecer uma
relação de igualdade entre eles. Daí, praticamente, não
haver nessespaísesórgãosdedefesadoconsumidor, uma
vez que ele é representado por si mesmo ou por associa-
ções e entidades organizadas pelos próprios clientes. Já
no Japão, como relataAngela daRocha, no livro
Empresas
e clientes
, o consumidor está numa posição hierárquica
acimadas empresas. Na sociedade japonesamedieval, os
mercadores nãopodiamparticipar de certas festividades
públicas, uma vez que pertenciamaomais baixo estrato
social.Naquelepaíspredominao
mikoshimarketing
, forma
quedefineorelacionamentoentreconsumidoreseempre-
sas.
Mikoshi
éumtipode liteiraornamentada, presentenos
festivais shintoístas para carregar a imagem do deus do
templo,
kamisama
. Paraos executivos japoneses, ocliente
é o
kamisama
, ou seja, umdeus. Nossos amigos japoneses
certamenteficariamchocados coma relaçãohierárquica
existentenoBrasil entre os consumidores e as empresas.
Faz parte da nossa história...
Desde a formação do comércio e da indústria no Brasil,
os consumidoresocupamabasedapirâmidehierárquica,
sendo que as empresas estão no topo. É dessemodo que,
mesmoapresentandoumatendimentoreconhecidomun-
dialmente como simpático, gentil e repletode afeto, a ten-
sãoentre consumidor eempresaé certa, fortee frequente.
Como aponta o historiador Eduardo Bueno, no livro
A
coroa, a cruz e a espada: lei, ordeme corrupção noBrasil colô-
nia
(Editora Objetiva, 2006), por volta do ano de 1500, o
Na sociedade japonesamedieval, o cliente era o
kamisama
,
ou seja, umdeus, enquanto osmercadores não podiam
participar de certas festividades, uma vez que
pertenciamaomais baixo estrato social
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