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Revista da ESPM – Março/Abril de 2002
cheguei, em 1944, fui ver um jogo
do Botafogo e Flamengo, no campo
do Botafogo. E lá descobri o meu
ídolo que foi o Heleno de Freitas. Foi
quem me fez torcer pelo Botafogo.
Ele não era só o craque do time, mas
um ser épico. Tinha uma presença
física muito bonita, vistosa. E era
também uma personalidade polêmi-
ca. Eu fiquei encantado por ele, e
isso acabaria cristalizando em mim
uma grande paixão botafoguense.
Então, veja só como é a alma do tor-
cedor. Em 50, eu considerava que o
Botafogo tinha sido profundamente
injustiçado – a base da seleção era
vascaína. Então não fiquei tão
traumatizado, assim como você ima-
gina. Para você ver até onde vai a
paixão clubística. Eu digo sempre
que não existe seleção que se so-
breponha ao amor pelo clube. Em
primeiro lugar, para o torcedor, vem
o seu clube, o amor pela camisa de
seu clube. A seleção pertence mais
à Nação do que ao torcedor.
JR – Vamos falar um pouco sobre
isso. Por exemplo, na Europa, a
paixão européia é regional, pelo
clube da sua cidade, da sua
província. O morador de Milão
torce pelo Inter, pelo Milan. No
Brasil, não. Qual é a diferença
entre
flamenguista
e
botafoguense e um torcedor do
Paris Saint Germain ou do
Munique. Por que o brasileiro não
tem essa mesma paixão regional?
AN – Na verdade, eu não vejo muita
diferença. Eu estava estabelecendo
uma relação entre a paixão clubística
e a seleção. Aí, você coloca qual é a
diferença entre um torcedor do Pa-
ris Saint Germain e o torcedor do
Botafogo? Aqui no Rio de Janeiro
nasceram muitos clubes – clubes de
bairro. O sentimento bairrista é que
é a grande semente da paixão
clubística. É o bairro que se repre-
senta. Evidentemente que o futebol
vai-se profissionalizando. O país era
dividido também. O que existe é um
fenômeno de racionalização do fu-
tebol que leva Milão a ter mais de
um clube; que leva Turim a ter mais
de um grande clube; que leva Roma
a ter mais de um grande clube. A for-
ça impressionante do surgimento de
clubes no Rio de Janeiro teve a ver
com a capital. Mas a mudança é im-
placável. Já tivemos clubes de gran-
de expressão que desapareceram,
como o São Cristóvão. O Bangu teve
uma expressão muito grande no Rio
de Janeiro. Hoje, são o Botafogo, o
Fluminense. Houve um economista
dos anos 70 que dizia que a falência
purifica. De repente começam a falir
alguns bancos. Acho que ele não
está de todo errado porque, na ver-
dade, a tendência, no Rio, é daqui a
uns 20, 30 anos ficar só com o Vasco
da Gama e o Flamengo. O Vasco tem
feito um trabalho estratégico de co-
mer pelas beiradas um pouco do
“Eu: “Para lhe ser
franco, não sei
fazer nada”. Ele:
“Então, você vai
para o esporte.”