Revista daESPM –Maio/Junho de 2003
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entrevista
“N
ão
bastava
a
recuperação
de
direitos
políticos
para
consertaro
país
.”
JR–Você talvezestranheque
uma revista de marketing e
propagandaqueiraentrevistar
um historiador. Mas é impor-
tanteparanós.Costumodizer,
emaulas,quemarketingéalgo
muito fácil. Trata-se de um
sistemaquepodeserensinado
rapidamente. Você tem um
produto,distribuiesseproduto,
faz uma comunicação a
respeito desse produto, e as
pessoas o compram ou não.
Coisa realmente simples. Só
que esse sistema funciona
numasociedade, que, porsua
vez, possui uma cultura, uma
história. O profissional de
comunicaçãoemarketingtem
queestarligadonasuacultura,
nasuasociedade–e isso leva
tempoparaaprender.Vocêtem
um livro–publicado recente-
mente – chamado
Cidadania
no Brasil
, em que você
desenvolve teses interes-
santes.Vocêdivideosdireitos
humanosemdireitospolíticos,
civis e sociais. Depois, traça
umaevoluçãodessesdireitos.
Como você chegou a essas
constatações?
JM – Meu interesse pelo tema
cidadania é, relativamente, re-
cente. Surgiu bem depois da
redemocratização, da nova
constituiçãode88.Eporque?Não
só pelo fato da Constituição –
comonaépoca foi chamada, pelo
UlissesGuimarães,deconstituição
cidadã – mas, particularmente,
pelo entusiasmo que surgiu logo
apósaaprovaçãodaConstituição.
Dizia-se que a volta de direitos
políticos, da liberdade iria rapida-
mente resolver os problemas do
Brasil e, obviamente, não acon-
teceu.Ficouclaroquenãobastava
arecuperaçãodedireitospolíticos
para consertar o país. Isso me
levouaperguntarquaisseriamas
outrascoisas,osoutroselementos
– jáquesomentedireitospolíticos
não resolveriam os problemas.
Principalmente, o problema da
desigualdade. Os dados do IPEA
têmmostradoque,nosúltimos20
anos, o Brasil cresceu, mas a
desigualdadenãodiminuiu. Istoé,
a distância entre pobres e ricos
permaneceu exatamente igual.
Portanto, no que se refere a esse
aspecto central da vida das
pessoase, obviamente, dopaís, a
democraciapolíticaatéagoranão
tevemuito efeito. Ela não teve o
efeito, com a rapidez esperada,
pelo menos, em relação a este
ponto.Assim,comeceiaencararo
temacidadaniacomopreocupação
acadêmica e aí – como vício do
ofício–voltar nahistóriaparaver
como esse processo se
desenvolveu no país. Parecia-me
que havia algo mais profundo e
uma das maneiras de definir
profundidadeétemporal,voltando-
se no tempo. Isso é a origem da
preocupaçãocomqueohistoriador
estudaopassado,maso temado
historiador é o presente. Volta-se
ao passado em função de uma
preocupação do presente. Foi por
issoqueescreviesse livro.Nãose
tratadeum livroacadêmico,mas
de obra para um público mais
amplo.
JR–Estávendendo?
JM–Sim. Jáestánaquartaedição.
JR – O que demonstra que as
pessoas têm interessepelo tema.
JM – Eu tive a sorte de o ministro
Malantergostadodo livroefeitomuita
propaganda.Quantoàsuapergunta,foi
um autor inglês Marshall quem fez
essa decomposição da cidadania em
trêsdimensões: civil, políticaesocial.
Isso me pareceu interessante como
instrumento analítico para estudar o
brasileiro.
JR–Poderia,rapidamente,definir
cadaumadelas?
JM – Marshall fez isso, claro,
pensandonocaso inglês.Acidadania
civil tinhaaver comdireitoscivis, isto
é, liberdade, propriedade, direitode ir
evir, expressãodepensamento.
JR – Os chamados direitos do
homem?
JM – Direitos do homem, mas em
cunhomais global. Direito de ir e vir,
ter julgamento justo,nãoseroprimido,
ser protegido. Tudo isso são coisas
derivadasdessaversãodedireitoscivis
que,segundoele,aInglaterradoséculo
XVIII já tinha.
JR – Direito à sobrevivência e à
integridade?
JM– Fundamentalmente, trata-sede
liberdade, igualdade, propriedade.
Direitosqueentraramnasdeclarações
dedireitosamericanaefrancesa,eque
a Inglaterra já havia começado a
conquistar desde o séculoXIII, com a
MagnaCarta.Emcimadessesdireitos
civis que têm a ver com a vida em
sociedade – com o cotidiano os