Revista daESPM –Maio/Junho de 2003
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Entrevista com JoséMurilo de Carvalho
ou 10maiores – o que faz do
paísummercado-consumidor
importante.Pessoas,danossa
área, dizem que é difícil
estabelecer, no Brasil, uma
proteçãoaoconsumidor seo
cidadão não tem proteção.
Você concorda com essa
visão?
JM–Esseéumtemainteressante,
tanto do ponto de vista teórico
quanto do ponto de vista prático.
Há mesmo teóricos neoliberais,
hoje,quedizemque issoénormal,
eobomé, realmente, substituir o
cidadão pelo consumidor. No
mundo moderno, as grandes
decisõesdaspessoas teriamaver
com o seumundo de consumo e
nãocomasquestõespolíticas,que
estariam esvaziadas pelo próprio
Estado.Como issosecolocaentre
nós?Emprimeiro lugar, aquestão
daeducação.Emboraaseqüência
que o Marshall estabeleceu –
direitos civis, políticose sociais–
háumdireitosocialqueéexceção
em tudo isso, que é a educação.
Emtodosessespaíses,aeducação
estava presente desde o início,
como ponto central. E esse não é
umdireitoquevemdepois;estava
ládesdeo inícioe,eventualmente,
oprópriodireitopolíticoestavaem
parte influenciadopelaeducação.
Estefoiumoutrograndeproblema
noBrasil.Desdeatradiçãocolonial
portuguesa, a expulsão dos
jesuítas fez com que a educação
popular, praticamente, desapare-
cesse e a ênfase fosse toda na
educaçãosuperior.
JR –A expulsão dos jesuítas
sedánaépocadoMarquêsde
Pombal...
JM–MetadedoséculoXVIII, por
volta de 1780. Depois disso, a
educaçãopopularnoBrasilpratica-
mente desapareceu. Havia aulas,
maseramtotalmente insuficientes
e educação superior não existia.
NaAméricaEspanhola, duranteo
períodocolonial, foramcriadas23
universidades.
JR – E você diz, no seu livro,
quecercade 150mil pessoas
haviam freqüentado essas
universidades na América
Espanhola até meados do
séculoXIX.
JM–Atéa independênciadesses
países, calcula-se uns 150mil. O
Brasil teve 1.200, que foram para
Coimbra.
JR – Quer dizer, educação e
eliteeramsinônimosperfeitos.
JM – Na minha tese, menciono
queoBrasildoséculoXIXerauma
ilha de letrados e um mar de
analfabetos. A elite política do
Brasil no séculoXIX era uma ilha
de letrados –praticamente 90%
dessa elite tinham educação
superior, amaioria emDireito. E,
até o final do século, ummar de
analfabetos: 85%.
JR– Isso teria relaçãocoma
tradição brasileira do bacha-
rel serchamadodedoutor?
JM – Sem dúvida. É um símbolo
deelite.Semprecitoesseexemplo
daRepública.QuandoaRepública
começou, no Brasil, um lado era
influenciado pela França. A idéia
de chamar as pessoas de “cida-
dão”,masnãocomoum indicador
de igualitarismo social. Logo
começaram a introduzir outros
elementos – cidadão-doutor,
cidadão-doutor-general. Fiz um
trabalhosobrecartasenviadasao
Rui Barbosa, e quem chamava o
RuiBarbosadecidadãoeramuma
ouduas pessoas. O resto– como
eles ganharam o título honorário
de general – era senhor-cidadão-
doutor-conselheiro-general Rui
Barbosa. A síndrome do bacharel
estava aí. Até tão recentemente
como1968, oensino superior era
limitado.Depois, comaexpansão
dasuniversidadesprivadas, éque
secomeçouaexpandiraeducação
superior.Aeducaçãofundamental
só agora no final do século XX –
em parte pelo governo Fernando
Henrique – em que 97% das
crianças em idade escolar do
ensino fundamental estavam na
escola.Masaindahá3a4%para
expandir.Mas, háproblemascom
a qualidade do ensino. O aluno
termina a 4ª série do ensino
fundamental semi-analfabeto.
“S
urgiu
aquela
famosa
piadado
cachorro
da
Alemanha
Oriental
–
antes
da
queda
do
muro...”
“O
Brasil foi
o
país
do
mundo
ocidental
que
mais
importou
escravos.
”