Maio_2003 - page 79

Revista daESPM –Maio/Junho de 2003
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Entrevista com JoséMurilo de Carvalho
“O
s
direitos
políticos
se
encontram
numa
relação
oposta
ao
direito
civil
.”
JR–Vocêdiz, textualmente, que,
naépocada independência, não
havia cidadãos brasileiros, nem
pátriabrasileira.
JM – Não havia cidadãos nem no
sentido de cidadãos civis e nem de
cidadãos políticos. Enãohaviapátria
porquenãohaviaessesentimentode
comunidade nacional, que só na
metade do século XIX começou a se
erguer. O processo de leis não se
aplicoudemaneiraalgumaaoBrasil.
Na verdade, os direitos civis até
estavam na constituição imperial.
Estavam todos lá – civis e políticos.
Agora, eraumaobrade ficção...
JR–Vocêescrevequeosdireitos
políticosvieramna frente.
JM–Saemnafrentedopontodevista
constitucional e do ponto de vista da
prática. Mesmo assim, houve uma
estranhaevoluçãoemque,até1881,o
Brasil estava na frente mesmo da
Inglaterra,emtermosdedireitosdevoto
–em tese, oanalfabetopodiavotar.A
constituição do Império, nesse ponto,
era mais liberal do que praticamente
todas as da Europa. E a prática e a
estatística eleitorais também foram
bastante razoáveis até 1881, quando
houveumareformaeleitoralquecassou
o direito do analfabeto e, a partir daí,
verificou-seumgrandeatraso. Onível
de participação eleitoral até 81 só foi
recuperado em 1945, depois da
RepúblicaVelha.Houve realmenteum
enorme atraso e pode-se dizer que o
povoentrounapolíticapelaviaeleitoral
apartirde1945.
JR – Então, houve uma relativa
“generosidade” do Estado, em
termosdedireitospolíticos,maseles
acabamsendocerceados,aolongo
do Império,primeirarepúblicae,aí,
voltamaprevalecerdepoisde45.
JM– Em 1880, cerca de 10% da
populaçãovotavameeraumaboa
porcentagem, mesmo comparada
com um país europeu. Mas,
enquanto os países europeus
abriam constantemente a
situação,oBrasilfechou,regrediu.
Até45,nósnãotemosmaisde5%
devotosparaeleiçãopresidencial.
Então, de 10 passou para 5 e, na
República Velha, houve eleições
presidenciais em que só 3%
votavam. A nossa população, até
45, ficou fora dos direitos civis –
não tinham aplicação prática – e
os direitos políticos foram
interrompidos na suaevolução. O
que fezcomque,nonossocaso,a
seqüência inglesa fosse invertida.
A partir de 30, sobretudo durante
oestadonovo, umagrande ironia
porque os grandes políticos não
existiam e os grandes civis eram
muito limitados – foi omomento
em que os direitos sociais foram
introduzidosnopaísdemaneiraa
atingirumaparcelasignificativada
população.Então,dopontodevista
de abrangência de direitos, os
direitossociaisforamosprimeiros.
JR – Esse tipo de assis-
tencialismo do Estado é uma
característica específica do
Brasil?
JM – Na América Latina é, um
pouco. Por exemplo, se a gente
pega um país mais forte, como
Argentina, Chile e Uruguai,
veremosquehouve,nessespaíses,
uma melhor organização e um
predomínio maior de capital. A
participaçãopolíticanessespaíses
émaior, sobretudoos partidos de
classe média que surgiram na
Argentina, Chile e Uruguai na
década de 20, 30 do século XX.
Então, o radicalismo argentino –
essapré-ediçãode liberalismoda
classemédia–jáexistianadécada
de 20,30. O justicialismo veio um
poucodepoisdisso–nadécadade
40– e aí sim houve um processo
semelhante ao nosso. Mas a
Argentina passou a ser dividida
realmente entre duas facções
políticas – o peronismo e o
liberalismo. E o caso mexicano
tambémnãoseaproximadonosso
porque ele teve também um
governo muito igualitarista –
autoritário, de partido único – e
com políticas sociais fortes. Mas
issoveioapósumadasrevoluções
mais violentas que houve na
AméricaLatina.Étambémumtipo
de situação distinta da nossa.
TalvezoMéxico–agoraquevoltou
aumaprática liberal depolítica–
já esteja nos passando rapida-
mente.
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