Revista daESPM –Maio/Junho de 2003
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entrevista
SegundaGuerra – o direito social. É,
também, distinto dos outros dois. No
quese refereà relaçãocomoEstado,
se um era negativo, o outro era
intervencionista, odireitosocial éum
direitoquereivindicaaaçãodoEstado,
e a ação do Estado no sentido de
proteger o cidadão no que se refere,
sobretudo, às conseqüências negati-
vas da sociedade de mercado – o
desemprego, o problema na velhice,
doenças etc. Quer dizer, o cidadão
desprotegido pelo mercado e reivin-
dicando que o Estado interfira para
protegê-lo. Daí surgiu a noção do
chamado“bem-estar”.
JR –Depois do estabelecimento
da declaração universal dos
direitos humanos pela ONU, em
1948, houveuma reuniãoondese
acrescentaramdireitossociais...
JM–Houveumabrigamaisoumenos
permanenteaí, atéaquedadaUnião
Soviética. Um grande impulso para a
introduçãodosdireitossociaisfoidado
pela competição com o mundo
soviético, que era acusado de não
permiti-los, de limitar osdireitoscivis
eosdireitospolíticos.Earespostaera:
“Tudobem.Masaqui aspessoas têm
emprego, comem e têm assistência
social”. Desdeaprimeiradeclaração,
havia um confronto permanente: o
blocosoviéticosalientandoosdireitos
sociaiseoblocoocidentalsalientando
osdireitoscivisepolíticos.Mas,nesse
processo, os governos ocidentais
entenderamqueeraprecisofazeralgo
para responder aessa críticaque lhe
faziaomundosoviético.Surgiuaquela
famosa piada do cachorro da
AlemanhaOriental – antes da queda
domuro–que foivisitarseuprimo,na
AlemanhaOcidental.Elegordo,sadio,
encontrouoprimoraquítico,sarnento.
O primo perguntou: “O que você veio
fazeraqui?Estátãobem–gordo,sadio
– e eu aqui, na Associação dos
Cachorrossemosso”.Eocachorro
respondeu: “Só vim latir”. Ela
representa bem essa divisão e
essarelaçãoentreosdireitoseque
pode ser inclusive conflitiva. A
ênfase em um pode prejudicar o
outro. Ela pode também ser
colocadaemtermosdedilemaentre
igualdadee liberdade–umdilema
centraldapolítica.Freqüentemente,
aênfasena igualdade–comofoio
caso soviético – pode
concretamente restringir a
liberdade. É tema permanente, e
diria que, no Brasil, isso continua
sendoumaconstante.
JR – Como teria ocorrido, no
Brasil, essa sucessão? Você
menciona, no seu livro, que,
quando se proclama a inde-
pendênciadoBrasil em 1822,
nãoexistepovo.Enãoexistin-
do essa figura, na sociedade,
não poderia sequer existir a
idéiadedireitoscivis.Comofoi
essa questão, no início da
nossaexistênciacomonação
independente?
JM – O nosso processo de
colonização foi muito distinto do
norte-americano, pois foi um
empreendimento estatal pela
coroa portuguesa. O Brasil
permaneceu no antigo regime até às
vésperasda independênciaeamaneira
comoelafoifeitanão implicoutambém
emnenhumamudançasubstantivado
ponto de vista social no país. Era um
paísque tinhacomomarca...
JR – Era, de fato, um país? Por
exemplo, poucos anos antes da
independência,tínhamosaquiorei
dePortugal,queestavagerindo,do
Rio,o impérioportuguês.Que tipo
depaísnóséramos?
JM – Éramos uma colônia, sim, mas
umacolôniadoEstadoportuguês.Enão
era também como as colônias
espanholas, divididas emquatro vice-
reinados. Do ponto de vista admi-
nistrativo, oBrasil fora dividido, entre
1624e1775,emdoisEstados:OEstado
do Brasil, o Estado do Maranhão e
Grão-Pará.OBrasil foiopaísdomundo
ocidentalquemais importouescravos.
Os Estados Unidos importaram cerca
de560milescravos.NoBrasilentraram
cercade4milhões, dosquaismaisde
ummilhão depois da independência.
Nos quatro anos que antecederam a
abolição do tráfico (1850), entraram
mais de 50 mil por ano. Então, isso
marcava profundamente a sociedade
colonial. Emarcavanão sóem termos
dosistemaprodutivo,mastambémem
termosdevalores.Ovalorda liberdade
individual e civil nunca foi uma coisa
forte entre nós. Todos, inclusive os
próprios autores políticos que
combatiam a escravidão, raramente
falavam em termos de liberdade
individual; falavam em interesse
coletivo, pediama construçãodeuma
nação, comooJoséBonifácio. Isso foi
um fato muito importante na nossa
história. Outra coisa, obviamente, é o
problema damanipulação da terra. A
terra era totalmente controlada e os
latifúndios constituíam elementos de
relaçõesabsolutamentehierárquicas.
“
...manifestar
seu
pensamento
,
poder
falar
, se
associar
, tudo
issosão
direitos
civis
.”