Maio_2003 - page 87

Revista daESPM –Maio/Junho de 2003
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Entrevista com JoséMurilo de Carvalho
“H
áuma
pequena
faixa
da
população
que
nãosó
tem
a
proteção
da lei,
mas
estáaté
acima
da lei.”
“A
expulsão
dos
jesuítas
fez
com
que
a
educação
popular,
praticamente,
desaparecesse
.”
JM – Tem, porque era também uma
justiçarápida.Edepoisfoipodado,em
1841.Fomoscopiandováriascoisasde
quemestavaàfrentedenós.Masaqui
os resultados são negativos e, nas
instituiçõesde fora, positivos. Porque
são outras culturas, outro tipo de
sociedade,foramconquistasdaquelas
sociedades – aqui elas foram
introduzidas. Como o juiz de paz. Ele
praticamente julgava todasaspeque-
nas causas – libertava, dava fiança,
julgava pequenos delitos etc. – e
introduziu uma enorme impunidade
também.Todoessepoder foipassado
paraodelegadodepolícia, em1841.
E o delegado de polícia é, hoje, um
grandeproblemaporqueéumpequeno
déspota;dentrodadelegaciafazoque
quer, inclusive essas coisas como
convencer a pessoa a não registrar
queixa, deturpa o processo. E o
ministério público não entra lá,
embora, pela Constituição, ele tenha
que controlar o delegado. Outro
problemadegarantiadedireito.
JR–Essasuaobservaçãodeque,
muitas vezes, na história, nos
antecipamos – como no caso da
independência com os direitos
políticosou,agora,nessaestrutura
de justiça. Isso remeteaumoutro
tema que seria o autoconheci-
mento do brasileiro. Como é que
nós nos conhecemos e nos reco-
nhecemos com nação, como
indivíduos?
JM – É uma pergunta bastante
complexa. Comodiziaantes, oBrasil,
comonação, éum fenômeno recente
e assim o próprio conhecimento dos
brasileiros. O que um amazonense
sabedeumgaúcho?Asdistânciassão
grandesedificultamocontatopessoal
entreosbrasileiros,oqueos torna,de
alguma forma, estranhos – embora
nações sejam, como um autor falou,
comunidades imaginadas. A
procuradoqueébrasileiroerauma
preocupação da elite. O que isso
significa, napercepçãopopular, é
algo que algumas pesquisas
recentes estão tentando medir.
Temos uma que pergunta sobre
uma série de adjetivos sobre o
brasileiro. E, curiosamente, os
adjetivos que aparecem em
primeiro lugar são: sofredor,
trabalhador, feliz,alegree,depois,
conformado.
JR–Essapesquisaé feitapor
quem?
JM–Sãoduaspesquisas.Umado
CEPDOC, que foi feita no Rio de
Janeiroeumaoutra feitapelaVox
Populi. Foram feitas ao mesmo
tempo, combinadas. Está-se
desenvolvendoumaauto-imagem
de Brasil que não é uma coisa
recente, porque havia muita
projeçãodaauto-imagem carioca
para auto-imagem brasileira, de
seralegreeque, obviamente, não
é a primeira coisa que outros
Estados colocam. Do resto, talvez
emfunçãoda imensa influênciada
televisão – que não pode ser
subestimada.Tendoemvistaesse
grau de baixa escolaridade da
população– como disse, 60% da
população não completaram o
primeiro grau –, as perguntas
sobre informação política vêm,
sobretudo, da televisão, rádio. Eu
diriaque,pelaprimeiravez,oBrasil
está-se comunicando. Eachoque
isso não deve ser subestimado,
não só no nível político, mas no
social também – os costumes,
modaetc. Sóagoraéque seestá
desenvolvendouma imagemmais
“participada”enãoumacoisaque
aelitecriou.Foisempreaeliteque
crioua imagemdoBrasil, desdeo
séculoXIX.
JR–Issonosremeteàquestão,
também,doensinodahistória.
Primeiro, vocêcolocouquea
educação foi elitista até
praticamente todo o século
XIX. Como você vê o ensino
sobre a nossa história na
educação fundamental?
JM–Achoqueparteda limitação
éaprecariedadedessaeducação.
E,alémdo fatodemuitaspessoas
não terminaremosegundograu,a
qualidadedaeducaçãoemgeralé
muitoprecária.Eoutracoisatípica
équeahistóriamoderna–apartir
doséculoXIX–secriouemfunção
dahistóriadosEstadosnacionais.
A própria profissionalização do
historiador, a criação do depar-
tamento histórico, quase toda a
1...,77,78,79,80,81,82,83,84,85,86 88,89,90,91,92,93,94,95,96,97,...119
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