Maio_2003 - page 91

Revista daESPM –Maio/Junho de 2003
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Entrevista com JoséMurilo de Carvalho
culturaismesmodentrodahistória–
são identidades culturais que estão
cada vez mais fortes. No caso da
Europa Oriental, o fenômeno está
atrasadoporquehavia realmenteum
Estado com muitas nações. E o
processo de fragmentação, que foi
formar estados-nações que –
eventualmente, naevolução–podem
agora aderir gradualmente à Europa
epassarporumestágioposteriornum
períodomais curto porque, agora, o
ambiente internacional os favorece.
Eudiriaqueesseéumproblemamais
sérioqueoproblemado consumo. O
Estado nacional europeu está se
desfazendo, mas esses Estados
cumpriram uma função histórica
importante.Elesconseguiramcriarum
sistema de representação política e,
aomesmotempo, reduzirosníveisde
desigualdade a termos toleráveis. A
desigualdadenaEuropa– tirandoos
imigrantes – é isso: tolerável. As
pessoas não vão fazer revoluçãopor
essemotivo. Então, cumpriram uma
tarefa histórica e se propuseram a
criar um tipo de sociedade que é
legítima, dopontodevistapolítico, e
também do ponto de vista social.
Agora, o nosso Estado nacional – e
não falosódobrasileiro,masde toda
a América Latina e também dos
Estados africanos – esses Estados
não cumpriram essa tarefa. OBrasil
estásubmetidoaoFundoMonetário,
e passa por constrangimentos que
reduzem a capacidade decisória dos
governos.E issonomomentoemque
elenãocumpriuessatarefahistórica.
E aí, sim, cria-se uma dificuldade
extraordinária.Sevocêacoplaaeste
não-cumprimento dessas tarefas o
problema do consumidor, é algo que
vejocomcertapreocupação,paranão
dizerpessimismo.Comoéquevamos
resolveresseproblema,quecontinua
central:essa imensadesigualdade.O
Brasil não tem nações com sentido
cultural.Éumestado-naçãocom
uma nação.Os gaúchos tentam
se separar, de vez em quando,
tambémospaulistas,mas, hoje,
issonão temmuita força.Assim,
do ponto de vista estritamente
social e econômico, somos,
certamente, duas grandes
nações.Sejaqual foradefinição
de nível de pobreza, os cálculos
variam–dependendodocritério
–de30a50milhõesdepessoas,
ospobres. Issoéumpaís inteiro.
JR – Quer dizer, é um
problemadeinclusão.Existe
classemédianoBrasil?São
critérios um pouco fúteis,
porque definem a classe de
acordo com outros países e
nãodeacordocomasnossas
realidades. O fato é que
existe
uma
classe
consumidora no país. Fora
dessa relaçãodeconsumoé
quetalvezpossamestar20ou
30milhões...
JM – Aí, depende do produto.
Para uma multinacional, o que
seriamercadobrasileiro?
JR–ANestlé,porexemplo,é
umamultinacionalquetemno
Brasil o seu segundo maior
mercadodomundo.Vendeum
tipodeprodutoque temuma
grandecobertura–claroque
é diferente do automóvel.
Mas, segmentação é quase
impossível.Hajaounãouma
classe média grande no
Brasil, existe uma grande
classeconsumidoranopaís.
De fatoelaexiste, funcionae
elegeopresidente.
JM–HouveumepisódionoRio
deJaneiro curioso: a invasãodo
RioSul.
JR–Mas, foiparavaler?
JM–Obviamente, foi orientado
poralguém,masquequeriafazer
exatamente isso:mostrarquehá
uma classe média consumidora
que se mistura com os turistas
estrangeirosno
shoppingcenter
,
eháumoutrogrupobrasileiroque
sãoestrangeiros.
JR–Vocênãoachaqueessa
percepção é positiva? O
presidente, hoje, falando de
fome zero. Há uma sensibi-
lidadedasociedadebrasilei-
raem relaçãoaoseupróprio
problema.
JM–Numnívelderetórica,sim,e
aeleiçãodoLulatemavercomisso.
Escreviumpequenoartigo,dizendo
queoLulavoltouainterpelaropovo,
no sentido de que retomou uma
tradição de Getúlio Vargas, no
segundo governo. Depois de
O
s
adjetivos
que
aparecem
são
:
sofredor
,
trabalhador,
feliz
,
alegre
e, depois,
conformado
.”
“A
questão
do
consumo
tem
uma
interface
coma
cidadania
via
conhecimento
,
viaexigênciade
direitos
.”
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